segunda-feira, 19 de julho de 2010

Peças

Aclamados sejam os ébrios de espírito, pois só eles contrariam a sobriedade da cultura moderna

quinta-feira, 15 de julho de 2010

As estantes da taberna.

As estantes da cultura estão vazias com o ar da estupidez e o pó da ociosidade. E não há viv'alma que as encha com o prazer de fazer e criatividade, não há quem faça por fazer, não há quem faça para fazer, em vez disso fazem para mostrar que são, que têm cultura, e estes pseudo-pseudos(porque são tão pseudos que não chegam nem a ser nada sequer) têm tanta cultura, que de tanto ter, esvaziaram as estantes!

E o que é que estes cretinos vão fazer com a cultura que tiraram toda das estantes? Comem-na, enfardam-na como se não houvesse o próximo amanhecer, e têm que comer toda a cultura das estantes da cultura nesta noite. Em vez de pegarem em toda a cultura das estantes e partilhá-la fazendo com que todos tenham um bocado de cultura, estes idiotas chapados são egoístas e comem a cultura toda e, como manda o processo natural digestivo animal a cultura é transformada em merda, e agora, toda a cultura que tinhamos, está nos esgotos, em formato castanho e nojento, e a cultura, que era tão venerada pela sociedade, é agora rejeitada, posta debaixo dos nossos pés para todos a calcarmos e todos sermos superiores à cultura, todos mesmo, sim, toda a gente, até esse.

E é impossível repor a cultura toda nas estantes, porque aqueles que tinham um bocadinho de cultura, que foram buscar à estante está guardada, não num pedestal, mas dentro de nós, absorvida pelos nosso olhos, ouvidos e mente, essa cultura deixou de estar nas nossas mãos, e passou a estar em nós, essa cultura somos nós.

E nós como cultura que somos, não podemos ir e ficar parados na estante, porque temos de dizer aos outros que a cultura agora é merda, e que são livres, livres para fazer a cultura que quiserem, para pegar na cultura que já viram se quiserem, porque como ela está nos esgotos e não nas estantes, ninguém se vai lembrar dela, ou se se lembrarem, vão gostar, porque já não a viam à muito tempo!

Mas eles não querem acreditar, porque os pseudos estão mais bem vestidos que eu e tu, porque os nutrientes da cultura ainda estão no sangue, e toda a gente pensa que eles são os supra-sumos sabe-se lá de quê.

E uma vez que nós lhes dissemos que a cultura agora é merda eles vão a correr comer a merda que os pseudos cagaram, porque aquilo, para eles, é cultura e dizem a todos que comem merda, e mostram a todos que comem merda, porque aquilo é a cultura deles.

E nós ficamos parados, na esplanada da taberna, a ver aquilo e a fazer a nossa cultura, à espera que aqueles que se fartarem de comer merda se juntem a nós, não para fazer a nossa cultura, mas sim para fazerem a deles, para não terem medo de serem livres.

Nós lutamos tanto pela liberdade, e agora temos medo de ser livres...

E eu saio, e vou ter às estantes da cultura, e lá fico a inalar o ar da estupidez e o pó da ociosidade...

segunda-feira, 12 de julho de 2010

1500madc

Aqui permaneço, tal qual uma toupeira, 1500 metros abaixo do chão que tu pisas, é tão bom aqui, a sério ninguém me chateia e só deixo entrar quem eu quiser...

Passaram-se 3 séculos e meio desde que a última pessoa que cá esteve saiu e eu habituei-me a estar com a solidão deitado a fumar o meu cigarro e a beber o meu whisky e a ver as pessoas da superfície a andarem, umas felizes, outras nem tanto, but life goes on...

Até que no dia 7 de Setembro de 2305 tu, não sei como entraste com a força e certeza de algo que eu jamais vira, e eu fiquei ali a contemplar a beleza da tua coragem de entrar onde jamais alguém ousara entrar sem ser convidado, mas tu, com os teus olhos cor de sabe-se lá o quê tinhas que entrar a matar (no sentido literal da palavra).

Mataste a minha bela ociosidade, aquela que eu tanto gostava, de ficar a ver as pessoas da superfície através da clarabóia de 1498 metros e do meu periscópio roxo com detalhes prateados.
Mataste o tempo que eu perdi a desafiar as leis da vida, humanidade e sentimentos
Mataste as minhas leis, pondo-nos numa selva sem regras, 1500 metros abaixo do chão
E, mais importante de tudo, fizeste o que eu nunca consegui fazer, mataste as memórias que tinham mais de três séculos...

E deixaste um rasgo na bolha que me envolvia, fazendo assim com que eu me juntasse ao que era externo a mim, às outras toupeiras que me rodeavam...e sabes que mais? Até gostei.

E estamos os dois cá em baixo e, de toda a gente, toda mesmo, aqueles que existem, existiram, e existirão, és a única que tem coragem para me perguntar, tu, na tua brava fragilidade, és aquela que desafia tudo mais do que eu desafiei, e és a única que me consegue olhar olhos nos olhos e perguntar:
-Queres ir lá acima?
-Não.
-Está bem.

Não quero, porque tenho medo de perder o teu cheiro, que a tua pele escureça com a luz do sol, que te lembres que a superfície é muito melhor que a minha toca, a NOSSA toca.

Mas eu sei que vamos ter que ir lá acima, eu sei, mas no fundo, não quero saber...

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Pura estupidez

Era uma vez uma rapariga com um vestido azul, uma rapariga tão pálida de tão bela que era, uma rapariga com uma pele tão macia que desafiava a maciez do amor maternal. Tinha uns olhos tão negros e profundos que te chegavam ao tutano do esqueleto dos olhos da tua alma, e um cabelo tão liso e tão negro que te punha na dúvida se era real ou um fruto da tua mais caprichosa imaginação. Aliás toda ela te punha nessa dúvida.



A voz dela soava a mel com algum ser celestial, mais celestial que o ser em que tu acreditas que te governa. Quando ela passava deixava uma aura invisível de um cor-de-rosa quase visível, fazendo com que todos os rapazes citassem os Beatles ("há algo quando ela se move que me atrai mais que qualquer outra, algo que quase comove..."). E apesar de ela ser tão bela, e de parecer tão frágil, ela saía à rua como se fosse a rocha mais dura do ambiente mais àrido.



E todos a queriam, mas eu não, eu não.

Eu, na minha esperta estupidez, queria ser o diferente, o que não ia olhar para a rapariga do vestido azul, e só pensava nela, na sua pele, nos seus olhos e em como não podia olhar fundo naqueles olhos, como não podia cair no erro de beijar aquela pele suave e branca, e de sentir aquele cheiro, tão doce como as tuas mais açucaradas recordações.

Mas de não sei quantos homens no mundo, ela foi-me escolher a mim, o idiota chapado que queria ter uma mulher feia, gorda e com verde nos dentes, e olhou-me fundo, com aqueles olhos que me furaram de um lado a outro o tutano do esqueleto dos olhos da minha alma, e caí aos pés dela, e com a força de mil exércitos de todas as gerações de todos os mundos, beijei-a com o toque gentil da pena mais leve do pássaro mais gracioso.

Mas o que ela não sabia, é que eu não sou de cá e tinha que ir, tinha que ir para a minha terra da minha estupidez, e cingir-me ao meu egoísmo deixando-a sem olhar para trás, sem ver o esvoaçar daquele vestido azul, as lágrimas a saírem daqueles olhos, a escorrerem-lhe pela cara doce e branca, e parti.

Prometi-lhe que ia voltar e o prometido foi de vidro...e partiu-se.

E o vestido azul passou a vermelho porque estava manchado de sangue