Quando a noite cai e eu estou sozinho no frio
Penso que posso nunca te ter amado.
Se calhar estou a amar-te agora,
E tu nunca me amaste,
nem me vais amar.
Podia entrar agora por filosofias hollywoodescas,
a dizer que o amor dói e amar é sofrer...
Mas espera lá, isso é a minha vida.
Será que isto é um filme e não é real?
Será que estou a chegar ao plot twist?
Será que os créditos finais vão rolar sobre um beijo nosso ao pôr do sol? merda, lá estou eu outra vez nos clichés, desculpem mas perdi o jeito.
O romantismo já me é artificial,
Um final feliz já é um túnel escuro e sem fim
porque a luz está ao fundo do túnel.
Já não há heróis, nem dragões,
nem agilidade de pensamento, nem vigor juvenil
nem alegria de viver, joie de vivre,
nem Shakespeare nem Racine nem Calderón nem Gil Vicente nem Saramago nem Miles Davis nem Bob Dylan nem Radiohead nem James Joyce nem Aphex Twin nem Clint Eastwood nem paciência nem nada.
Um tiro na cabeça.
Para isso tenho paciência,
mas não tenho arma.
Nem bolas..balas para a carregar.
Posto isto,
que é só um argumento chunga para um filme independente,
Divirto-me a organizar palavras em coisas aleatórias,
que ao menos essas vou dominando.
Quanto aos acontecimentos,
consomem-me como o fogo à lenha e eu deixo-me queimar.
Ficando apenas as cinzas depositadas na urna onde existimos e morremos.
Jazendo na eternidade.
quarta-feira, 5 de novembro de 2014
terça-feira, 21 de janeiro de 2014
Os cortes no estado.
Há coisas que me tocam. Não como um instrumento, mas
espetam-me como facas. Quando o calor da noite não é o nome vulgar de uma casa
de putas, as coisas saem-me como um jorro, como quando se tira a faca da
carótida. Jorram para o vazio, transformando-se em mais escuro para rodear as
estrelas brilhantes que não sou. Às vezes farto-me de lirismos de merda, mas
que posso fazer? Eu sou assim. Peso mais de oitenta quilos, fumo um maço de
cigarros por dia, digo palavrões, e quando me perguntaram se podia haver poesia
depois de Auschwitz a minha resposta foi “foda-se, queres coisa mais poética
que o Holocausto?”. As cicatrizes só são cicatrizes durante um tempo. Depois
tornam-se o teu corpo, o umbigo sobre o qual tu pensas que tudo gira não é mais
que uma cicatriz, para mim a mais dolorosa. Tiraram-te desde nascença a ligação
à tua origem, e o umbigo é a marca disso. O que há de mais doloroso do que
desligares-te de onde vens? E tu ris-te a fazer caras parvas com marcadores na
barriga, ou a tirar o cotão enquanto estás com uma expressão que torna óbvio a
parte da cara com que comes gelados. Mas não perdemos tempo a pensar nisso.
Quem pensa nisso ou é doente, ou fumou erva demais. Preferimos pensar na
tortura que é as pessoas acharem que estamos mal vestidos, ou aquela cara
laroca não reparar em nós. Ou no trabalho que é uma merda única e exclusivamente
por nossa causa. Porque não temos o belo par de colhões que é preciso para nos
pormos a andar dali para fora, tal Tyler Durden montado numa Harley Davidson a
disparar tiros com uma Winchester de repetição. Preferimos fazer-nos de
coitadinhos e chorar baba e ranho pelo dói-dói que fizemos com uma faca de
barrar manteiga. Já não me consigo assustar quando me ameaçam com uma faca, é
pouco. Parece-me parvo achar que o mundo vai ruir por causa de um pedaço de
metal afiado. Tens um baço furado, e depois? Vais para o hospital, passas uns
dias de folga, com toda a gente a dar-te atenção. Isso não é bom? Não é isso
que queremos? Quando me ameaçam com facas peço a Deus (ou o que caralho haja
por aí) que ma espetem com quanta força consigam. E quando a ameaça está no
limiar da acção, sorrio a pensar em tudo o que vai jorrar de dentro de mim sem
controlo, tudo aquilo é verdadeiro. O golpe com que me ameaças é a libertação
que anseio. Afinal de contas, o que é o corte de uma faca comparado com o teu
umbigo?
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